terça-feira, novembro 4

Quando o cérebro sorri, treme ou silencia: as muitas faces invisíveis da Epilepsia

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Entre um riso inesperado, um tremor passageiro ou uma ausência momentânea, pode estar escondida uma crise epiléptica e a maioria das pessoas nem imagina

A epilepsia ainda é, para muitos, sinônimo exclusivo de convulsão. No entanto, essa é apenas uma entre as dezenas de formas pelas quais uma crise epiléptica pode se manifestar. Tremores finos, risos fora de contexto, alterações súbitas de comportamento, medo repentino, perda momentânea de contato com a realidade, distorções sensoriais – tudo isso pode ser o cérebro em crise.

Para a neurologia, a epilepsia não é uma doença única, mas um conjunto de síndromes neurológicas com múltiplas formas de se manifestar. E é justamente aí que mora o desafio. As crises podem ser motoras, sensoriais, autonômicas, cognitivas, afetivas ou comportamentais. Algumas pessoas piscam os olhos rapidamente; outras sentem cheiros que não existem. Há quem pare de falar por dois segundos, olhe para o vazio e volte como se nada tivesse acontecido. Em muitos desses casos, nem o paciente, nem os familiares, nem mesmo profissionais da saúde não treinados cogitam que isso possa ser epilepsia.

“É fundamental quebrar o mito de que epilepsia é só convulsão. Um riso fora de contexto, uma sensação súbita de medo, ou uma breve ausência mental podem ser crises. E se não estivermos atentos, o diagnóstico passa batido”, alerta o neurologista Dr. Heitor Lima, que acompanha numerosos pacientes epilépticos.

Esse “passar batido” tem consequências reais. Estima-se que milhões de pessoas em todo o mundo vivam com epilepsia sem saber. Em alguns casos, o diagnóstico só vem após um evento mais evidente, como uma crise tônico-clônica – aquelas com perda de consciência e movimentos involuntários intensos. Mas até chegar a esse tipo de crise (e muitas vezes não chegará), a pessoa pode passar anos ou a vida inteira acumulando episódios estranhos, rotulados como ansiedade, déficit de atenção, ou “coisa da cabeça”.

A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 50 milhões de pessoas vivem com epilepsia no mundo. E, mesmo com tamanha frequência, o estigma e a desinformação seguem sendo barreiras duras. É comum que manifestações sutis sejam ignoradas ou subestimadas, o que atrasa o diagnóstico e compromete o controle das crises.

A boa notícia é que, com diagnóstico preciso e tratamento adequado, até 70% dos casos podem alcançar controle total das crises já nos primeiros tempos do tratamento. Mas, para isso, é preciso mudar o olhar clínico e social sobre a epilepsia. Médicos devem considerar a condição no diagnóstico diferencial de qualquer manifestação neurológica súbita e breve. E a sociedade precisa reconhecer que a epilepsia não tem uma só cara: ela tem muitas.

Ao abrir espaço para a complexidade dessa condição, ampliamos a chance de diagnóstico precoce, de tratamento eficaz e de acolhimento digno. Porque, muitas vezes, o cérebro não grita: ele apenas sussurra. E a epilepsia é, com frequência, esse sussurro que quase ninguém ouve.

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Gaúcho de nascimento, brasiliense de coração. Economista, 26 anos, amante de viagens e gastronomia. Instagram: @davirezende__

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